Na estrada de Sintra, ou na estrada do sonho, ou na estrada da vida…
O meu coração mais humano do que eu, mais exato que a vida.
O meu coração mais humano do que eu, mais exato que a vida.
Álvaro de Campos, in “Poemas”
Heterónimo de Fernando Pessoa
Heterónimo de Fernando Pessoa
A poucos quilómetros da actual capital do País levanta-se e distende-se aquela lomba serrana que o mito e a tradição aureolou de mistério desde a mais profunda noite dos tempos, também e muito justamente considerada a mais bela Serra de Portugal: Sintra.
As suas penhas verdejantes, os seus ares salutíferos, as suas fontes e cascatas de águas laxativas cercadas de arvoredo luxuriante, fizeram dela o oásis do Romantismo do século XIX cujo ideal naturalista e realista veio a adentrar o século XX.
Mas Sintra, hoje Património Universal da Humanidade, é muito mais que vila romântica e retiro burguês da elite social de Oitocentos. O seu historial é vastíssimo, os seus segredos esfíngicos muito mais e onde a utopia se confunde harmoniosamente com o realismo historiográfico, antropológico e etnológico, não esquecendo o filológico.
A raiz toponímica desta idílica estância estremenha é várias vezes milenar. O célebre geógrafo Edrisi, que viveu no século XII, chama-lhe Xentra e Sentra, termos arábico e moçarábico. Chamava-se antes, em celta, Chyntia ou Cyntia, vulgarizando-se no século XVII a grafia Cintra. E ainda hoje ela se impõe no presente modo de escrever, como se quis a partir dos anos 30/40 do século XX: Sintra.
No século VI a. C., segundo Schülten, o Promontório do Cabo da Roca, ponto mais ocidental da Europa e terminação da aresta montanhosa de Sintra, chamava-se, no périplo Marselhês utilizado por Rufo Festo Avieno, em sua Ora Marítima, no século IV da era cristã, Promontório de Ofiússa, esta última palavra significando “serpente”, portanto, “Promontório da Serpente”. Ptolomeu denomina-a “Serra da Lua” e ao seu extremo cabo-mar “Promontório da Lua”, “Cabo da Lua” ou Cabum Lunarum.
Isso é muito interessante porque o mesmo Festo Avieno, na sua obra citada, informa que Ofiússa era o nome de um povo habitando o périplo Ulissiponense descendente de um outro chamado Oestrymnia, ambos adoradores da Serpente e antediluvianos. Ora Ofiússa significa Serpens ou Serpente, e neste contexto antediluviano ou atlante, segundo Manuel Joaquim Gandra (in O Eterno Feminino no Aro de Mafra, edição da Câmara Municipal de Mafra, Setembro de 1994), ele dá a justificativa geológica para a origem atlante do Cabum Lunarum de Sintra, informando que esta avançava muitas centenas de km para Sudoeste, sofreu grande afundamento, originando-se com ele o actual estuário do Tejo, o qual antes (Miocénico) desembocava com o Sado num extenso delta comum, que abrangeria a região desde Ferreira do Alentejo a Alenquer.
Nos tempos da Invasão Romana da Península Ibérica, Sintra estava compreendida no chamado Promontório Ulissiponense, também conhecido por Magno, Sacro e Artabro.
À Lua os gregos deram o nome de Selene, voz cogneta da portuguesa serena. Deste vocábulo se formou a palavra serenata que é, como se sabe, o cântico proferido ao luar.
A pouca distância do convento de St.º António dos Capuchos, em plena Serra, outrora existiu uma ermida chamada Milides, termo corrompido Melides, de que ainda restam as ruínas. Acontece que a palavra Milides é o equivalente fonético do grego Milithes, derivação do apodo Militha dado à deusa lunar grega Athenas, aquela que Homero qualificou de “Olhos de Mocho”.
Sintra ou Cyntia é, pois, o nome da Deusa Lua em seu aspecto tríplice: Helena a Lua Espiritual, acima de Selene a Lua Psíquica e esta sobre Diana, Perséfona ou Hécate, a Lua Física, Infernal, Inferior, Interior ou Subterrânea.
Com efeito Cyntia era o nome grego da deusa Artemis ou Artemísia a quem os romanos chamaram de Diana, a mais pura e casta das deusas irmã gémea de Apolo, o Sol, filhos de Zeus e Latona, mas cuja origem mitológica está na Kinthya celta, vulgarizada Cyntia. É a divindade lunar protectora da Natureza, musa inesgotável dos artistas e a primeira das ninfas sua rainha.
Ermida da Senhora de Melides, Colares
Já Pinho Leal (in Portugal Antigo e Moderno, vol. II, pp. 301 e segs., Lisboa, 1877), é mais conciso ao referir esta toponímia: «A origem do nome veio de um templo erguido uns 308 anos antes de Cristo, por Gregos, Galo-celtas e Túrdulos, dedicado à Lua. Os Celtas chamavam a Lua de “Cynthia” e quando os Árabes dominaram a região, por não pronunciarem o “s”, chamavam o local de “Chintra” ou “Zintira”».
Se os antigos grafavam o nome desta vila com a inicial S, é porque esta letra designa a Sabedoria, a Serpente, o serpentear selenita em torno do Sol. Fernando Pessoa, em seu tratado O Caminho da Serpente, atribui a esta o Ouroborus – a Realização da Grande Obra Alquímica. E se grafada com C representa a Casa, o crescente elevado ou sal lunar sublimado (o nitro alquímico… representado em Caijah). E se com X é a condensação, o aprisionamento ou condensação do Verbo na sua própria Carne ou Matéria. Daí a origem do termo greco-latino Mater-Rhea, Mãe-Terra ou Matéria, iconograficamente sempre representada pela Virgem Anima-Mundi, vulgarmente da Concepção ou Conceição, primitivamente a Senhora do Ó, que se via na quinta da Trindade e se vê num altar lateral da capela de Santa Eufêmia da Serra.
Quanto ao topónimo actual Sintra, divide-se em Sin e Tar, termos aglutinantes turânicos significando, respectivamente, “Lua” e “Monte”. O turânico Sin foi adoptado pelos Caldeus e Hebreus para designar a Lua, e Tar o local elevado do seu culto, como sucede com o onomástico Sinai, este também presente na quinta da Penha Verde, na capela de Santa Catarina do Monte Sinai.
De acordo com a língua Tupi, a maior nação indígena do Brasil, a palavra Sintra também está inserida nela, como: Sy-nh-atyara. Decompõe-se e traduz-se da seguinte maneira: Sy = Lua, mais nh, igual à partícula de ligação, mais atyara, igual a Monte, Elevação. Portanto, Sy-nh-atyara igual a Sintra, o mesmo que “Monte da Lua”, correspondendo ao Selene Oros de Ptolomeu e ao Mons Lunae dos Latinos (cf. Teodoro Sampaio, O Tupi na Geografia Nacional. Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1987).
Pormenor curioso esse da existência de uma palavra tão semelhante e com o mesmo sentido entre culturas tão distintas e tão distantes. Um dado novo, susceptível de interesse no destrinçar de uma outra meada que dá pelo nome de Atlântida!… E mesmo certas tradições afirmam que em tempos hoje cobertos pela poeira dos milénios, Portugal e Brasil integravam-se num mesmo Continente em pleno Período Terciário, durante o Mioceno e boa parte do Plioceno.
Por sua feição serpentária notadamente ctónica, cedo a Serra de Sintra foi associada a portal para os Infernos ou Inferiores Lugares, por místicos e positivistas. No caso destes abundam as citações à ocacidade da Serra, desde o século XVII até aos anos 60 do século XX, aquando o Serviço Geológico Nacional elaborou um mapa geomagnético da Península Ibérica. Aqui são encontradas três zonas como locais de maior magnetismo – as chamadas anomalias no campo magnético –, baseadas na natureza dos minérios existentes. Além do Promontório de Sagres e do périplo alentejano do Megalitismo, é identificada Sintra e toda a zona arredor. Já Helena Abreu, especialista em magnetismo do Instituto de Meteorologia, não deixa de afirmar: «Sintra é um antigo vulcão e por isso é natural que seja um grande maciço magnético».
Junto ao Castelo dos Mouros, no Pico da Serra (para não dizer Pico do Graal…), e só para dar um exemplo, existem dois locais que fazem sonhar com o Reino Subterrâneo de Sintra ligado ao mistério de Agharta. São uma espécie de respiradouros nos quais os jardineiros deitam toneladas de folhas durante os trabalhos de limpeza no início da Primavera. Quando se chega ao fim do Verão, vai-se a ver e não está lá nada…
Como fui eu quem iniciou em 1978 o Ciclo Taumaturgico de Sintra para Aquarius – 2005, e como tudo quanto tenho transmitido pela comunicação social nos últimos dois decénios e alguns anos não tem passado de excertos ou fragmentos soltos de um Saber Iniciático indo à Raiz do Mundo, considero-me, portanto, com idoneidade espiritual e humana suficiente para afirmar a certos «sábios da Grécia» que tudo sabem menos ter algum sentimento nobre pelo seu próximo: tudo o que fazem hoje em dia, inventando tratandices sobre conjecturas tartufas, vale menos que nada! E só não é nada porque prolifera na fantasia inflamada dos vários impúberes psíquicos de diversas idades. Não saem do mesmo sítio, ainda que fantasiem ter ido muito longe… Sobre isso e em relação a Iniciações Crípticas, confiadas ao segredo de suas trevas, fala-nos Sinésio (De Providentia, 11, 4): «O incognoscível (agnosia) é um carácter venerável para as téletés, e por esse motivo os Mistérios são confiados à noite e cavernas inacessíveis são construídas para tal ocasião, em cujo lugar sabem esconder a Divina e Indizível Acção.» 1
Portal secreto oculto entre fragas da Serra de Sintra
Terá sido nesta lomba serrana, na realidade uma Montanha «lombada» se recorrer à ancestralidade de sua Primi-História, que se originou a Demanda do Santo Graal – la Quête du Saint Graal –, primeiro Arábica e depois Astur e Bretã, como Cálice de Vida, e Sintra, na fisionomia geográfica de Portugal, está no lugar do nariz que é o canal respiratório da Nação, centro fundamental do quinto elemento ou Alento Vital (Akasha ou Éter) cuja dinâmica activa a biorrítmica do País vivificando-o e, por anexo, à Europa inteira.
Ainda que a Tradição do Santo Sangue tenha se propagado de Sintra a toda a Europa, ainda assim ela é Tradição Universal inerente às mais consignadas correntes tradicionais que têm brilhado na Civilização. No que toca a Portugal, devo dizer que o Pensamento heterodoxo inserto no tema da “Fede Santa” e da “Cavalaria Espiritual” exerceu um papel preponderante e determinante, durante a Idade Média e inícios da Renascença, na mentalidade nobiliárquica da Monarquia Lusitana.
O Mito escatológico do Santo Graal corria a jorros no ideário espiritual da Idade Média galaico-portuguesa. Apesar da lenda Arturiana só tomar forma literária nos fins do século XII com a actividade poética de Chrétien de Troyes, antes disso ela já se havia espalhado pela Europa devido à acção dos bardos itinerantes 2, cujo ponto de partida não é exactamente a Bretanha mas, antes, a Estremadura ibérica 3.
Através da História e das Confraternidades abertas ou cerradas que a fizeram, chegou até hoje um vasto legado patrimonial cujo simbolismo reverte à representação e desígnio da oculta e iniciática Missão Universal da bela e barda Montanha Sagrada de Sintra. E “Sagrada” porque sacralizada pela Tradição Iniciática das Idades e pelos Homens Representativos da mesma que sulcaram os milénios feitos de séculos!… Seguindo alguns dos trilhos serranos desta nossa Cyntia irei, pois, cumprir uma breve retrospectiva de alguns dos principais monumentos que a adornam de maneira verdadeiramente singular.
PAÇO REAL – Situado no centro da vila, remonta ao século XII e sendo todo o rés-do-chão abobadado da autoria dos Templários que aí estiveram juntamente com o Grão-Mestre Provincial da Ordem, Gualdim Pais, que, passe a curiosidade, diz-se ter sido sagrado Cavaleiro pelo próprio Rei D. Afonso Henriques em pleno campo de lide, em Ourique do Alentejo.
Os Templários tiveram casas em Sintra, com sede nas Murtas, tendo ocupado todo o espaço onde hoje se encontra o Hotel Central e o Café Paris, conforme registra o documento de 1157 da doação por D. Afonso Henriques e sua mulher, D. Mafalda, a Gualdim Pais, 6.º Grão-Mestre da Ordem do Templo (1159-1195), de umas “bonas casas in villa de Cintra”, fronteiras ao Paço do Wali árabe (terá sido da fachada do palácio medieval que o primitivo brasão de Sintra foi arrancado e levado para figurar na fachada da igreja da Misericórdia, onde mais tarde Joaquim Fontes repararia nele), isto é, no Chão de Oliva, além do terreno desenvolvido no sopé do morro do Castelo (hoje freguesia de Santa Maria e que na ocasião era habitada por trinta moradores, aos quais o nosso primeiro monarca deu a 1.ª Carta de Foral de Sintra, isto em 1154), bem como umas fazendas nos arredores da vila, tudo isso integrado na “baylia” pretensa a “comendadoria” de Santa Maria de Sintra (cf. Francisco Costa, O Paço Real de Sintra. Novos Subsídios para a sua História. Edição da Câmara Municipal de Sintra, 1980. E também a obra anterior do mesmo autor e pela mesma editora municipal, O Foral de Sintra (1154). Sua Originalidade e Sua Expressão Comunitária, 1976).
Ora, descendo quatro pisos no Café Paris e uns bons oito metros abaixo do nível do solo, depara-se com uma sala em abóbada de berço e ao fundo uma galeria subterrânea que parte em direcção ao Palácio Real. Essa passagem prolonga-se para norte, sob a praça da vila, de onde se bifurca duas vezes, regressando em direcção ao Hotel Central: ainda hoje se repara no muro da actual Rua dos Arcos (outrora Travessa dos Fornos) a abertura de uma chaminé de ventilação, cuja profundidade se pode sondar facilmente.
A citada sala subterrânea, suportada por colunas delgadas, sugere-me a estrutura de um primitivo templo de traça bizantina, portanto um hipogeo, obra dos Templários, e a passagem subterrânea lembra-me os estatutos secretos do Mestre Roncelin para os Irmãos do Templo, datados de 1240, especificamente a recomendação nos artigos 7 e 19: «Tende em vossas casas lugares de reunião vastos e escondidos a que se terá acesso por corredores subterrâneos para que os Irmãos possam ir às reuniões sem o risco de serem perturbados… É interdito, nas casas onde os Irmãos não são Eleitos, trabalhar certas matérias pela Ciência Filosófica e, portanto, transmutar os metais vis em ouro e prata. Isto nunca será feito senão em lugares escondidos e em segredo».
Recentemente descobriram-se nas proximidades, no espaço do “Café da Avó”, novas galerias subterrâneas adentrando o ventre da Serra, possivelmente também obra dos Templários, notícia dada pelo jornal O Público em 2004 graças à primazia da excelentíssima e valorosa Amiga de Sintra, Sr.ª D. Adriana Jones.
Sobre o tema da sala e galeria subterrâneas dos Templários em Sintra, aconselho a leitura das obras seguintes: O Paço Real de Sintra (Novos Subsídios para a sua História), por Francisco Costa. Edição da Câmara Municipal de Sintra, 1980; e o estudo do espeleólogo Augusto Morgado, publicado no jornal Época, 12 de Agosto de 1972.
Quanto ao 1.º andar e restante edifício do Paço Real, foi acrescentado pelos Freires da Ordem de Cristo, reinando D. Dinis, que depois cederiam o imóvel à nossa Rainha Santa Isabel. Para essas primeiras grandes obras foram envolvidos os serviços de “mouros forros de Colares”, beneficiados com a regalia de pagarem apenas um quarto e não metade dos frutos colhidos, sob condição de prestarem a anûduva ou “renovação de castelos”. Contudo, será D. João I, o “Mestre Perfeito”, a oficializá-lo Paço Real, mesmo já sendo facto assumido folgar-se em Sintra desde a 1.ª Dinastia.
As chaminés singulares deste edifício, cónicas invertidas, tornadas ex-libris turístico da vila, representam esotericamente a “visão oculta”, vislumbrando de cima a baixo, e também a letra-mãe hebraica Mem, a raiz fonética feminina criadora representada no Arcano XIII do Tarot Sacerdotal: A Grande Mãe. Além dessas duas enormes chaminés existe uma terceira, mais pequena, hoje servindo de pombal. E não é a pomba a representação zoomórfica da Mãe Divina, do Espírito Santo cujo Centro Deográfico se quer em Sintra? Isto leva-me ao seguinte:
Sendo a Mãe Divina também Celeste e Humana, encontro essa trilogia feminina no Arqueómetro (isto é, Arke ou Arche-Matra, “Medida do Arqueu ou Assura”) do Marquês Saint-Yves d’Alveydre, em algumas relações filológicas a ver com o nome arábico de Sintra, ou melhor, Xentra, mas aí em termos védicos:
XENTRA = Lugar Sagrado
XETRIN = Alma
XEMA = Salvação
O que vale decompor a sigla S.I.N.T.R.A. na significativa frase iniciática: SERVIÇO INTENSO NO TRABALHO (DE) REDENÇÃO (DA) ALMA… de natureza feminina, tanto universal quanto individual. Isto transporta-me, uma vez mais, ao valor cabalístico da letra M.
Decerto residirá nisso o fundamento arquetipal do sentido divino da Monarquia Portuguesa, noção de alto relevo imperando no reinado de D. Manuel I, ele mesmo renovador dos arquétipos nacionais, o que se repara particularmente nos Paços Joaninos deste Palácio, por aqui deixar marcada indelevelmente a evolução total do Manuelino, que é um estilo arquitectónico de “passagem”, isto é, de portas e janelas.
QUINTA DA TRINDADE – Inicialmente bailio da Ordem do Templo (abarcando o espaço próximo de S. Miguel, St.ª Maria e S. Pedro, Orago de Sintra), aí se estabeleceu a paróquia mais rica do concelho. Fundada por Afonso Henriques foi o último bastião Templário serrano, até que se tornou o Convento da Trindade no século XIV doado por D. Afonso IV à Ordem de Cristo que, por sua vez, legou-o aos frades Trinitários, da Regra de S. Bento, tendo encerrado a sua actividade nos meados do século XIX, em 1834, com a dissolução das Ordens religiosas. A pouca distância encontra-se a…
IGREJA DE SANTA MARIA – De fundação atribuída ao nosso primeiro rei, devia ser então uma modestíssima ermida, mas cerca de cem anos após fundada um dos priores, Martim Dade, mandou demolir o edifício substituindo-o por outro de grande fábrica e de notáveis primores arquitectónicos, que chegou sem grandes danos ao terceiro quartel do século XVIII. Traçada em estilo neogótico, notabilíssima é a sua pia baptismal, de concha irregularmente polilobada, assente em dois troncos entrelaçados, que se atribui a mestre Nicolau de Chanterenne, o mesmo que criou o pórtico ocidental do Mosteiro de Belém, Lisboa: o pórtico de St.ª Maria da Anunciação. Desse mestre é também obra o retábulo em alabastro do altar-mor da capela de N.ª Sr.ª da Penha, no Convento depois Palácio do mesmo nome, no topo desta Serra Sagrada.
SANTA EUFÊMIA – Considerado o lugar pré-histórico onde nasceu Sintra, aí se situou o famoso e lendário Templo da Lua, do qual ainda havia em pé várias colunas no século XIX, como se verifica em célebre gravura a carvão então desenhada. Hoje, em toda a volta da capela românica de Santa Eufêmia avistam-se os seus destroços carcomidos e desfigurados pelos milénios. Lugar milagreiro, pode-se ainda avistar a sua fonte gradeada cujas águas eram tidas por santas, curativas de moléstias várias. Do ancestral culto selenita-matriártico aqui efectuado, o próprio nome grego Eufêmia é disso prova a favor ao decompor-se em Eu+Fêmea, ou seja, a “Boa Fêmea”, a “Boa Mulher”, a “Boa Mãe” (aliás, bem assinalada na sua congénere superior aí cultuada em altar à esquerda do seu: Nossa Senhora do Ó), associando-se com isso a uma daquelas nephil (plural, nefilim) de que fala a Bíblia. O termo hebraico nephil procede da dicção assírio-caldaica nab-ilu, à letra: a “deusa” (ilu) das “águas” (nabi).
Quanto à explicação teosófica para as aparições angelicais de Santa Eufêmia no lugar, em verdade, trata-se das projecções luminosas do Deva ou Anjo da Serra: Ab-Sin, “Luz da Lua”, tendo a ver com a religião natural de natureza matriártica do sítio, de cujas águas irrompeu a primitiva civilização castreja de Cyntia.
PENHA VERDE – Doada por D. Manuel I ao famoso vice-rei da Índia, D. João de Castro, esta Quinta adorna-se de uma riqueza histórico-artística ímpar na Serra de Sintra. Nela se acham duas fontes, a de St.ª Cruz e a do Corvo (com azulejos policrómicos e uma estátua de Neptuno), e três capelas, uma, a de S. Pedro ou S. Brás, com embrechados de conchas, nas paredes da qual estavam penduradas uma pele de jacaré e outra de jibóia, havendo também um osso que o físico-mor de D. João V concordou ser dum gigante humano: teria dois palmos e meio de comprimento e grossura correspondente ao seu comprimento, de acordo com as informações do Visconde de Juromenha (vd. bibliografia no final). Ainda segundo este autor, o edifício central da Quinta foi obra de duas criadas (ou monjas serviçais…) do bispo D. Francisco de Castro.
A segunda capela é a de São João Baptista, com azulejos policrómicos do século XVII descrevendo o martírio do Anunciador. Por debaixo desta ermida, dentro da mata chamada de S. João, há uma gruta natural entre penedos, para a qual se desce por uns degraus e na qual cabem dez a doze pessoas sentadas.
Finalmente, a capelinha redonda, votiva, construída no cimo do Monte das Alvíssaras em 1688 por ordem do bispo D. Francisco de Castro, que a dedicou a St.ª Maria de Sião e St.ª Catarina em memória de D. João de Castro ter-se consagrado, no Médio-Oriente, à mesma St.ª Catarina do Monte Sinai, o que me reporta às relações secretas deste com a não menos secreta Ordem do Monte Sinai, cujo convento no monte desse nome em Jerusalém deve a sua origem aos contributos decisivos dos Infantes D. Pedro e D. Henrique da “Ínclita Geração”.
Reza a tradição toda lendária da Penha Verde que Inês de Castro nasceu aí e na capela de S. João contraiu, mais tarde, matrimónio secreto com o Infante D. Pedro, futuro rei, e ela rainha coroada depois de morta, o que já não é lenda!…
Neste lugar viveram os primitivos celtas e outros povos castrejos proto-históricos antes deles, havendo provas arqueológicas da sua presença aqui, inclusive uma xorca em ouro maciço (hoje depositada em Museu de Londres) que os arquélogos franceses e ingleses desenterraram nas escavações que levaram a efeito durante a década de 80 do século passado, levando consigo o espólio recolhido mas que pertence exclusivamente a Sintra, sua donatária natural e cultural.
Xorca em ouro da Penha Verde
Nesta propriedade existem duas estelas com caracteres sânscritos, a mais pequena trazida do Templo de Elefanta, ilha na baía de Bombaim, na Índia, afamada pelos seus templos e hipogeus maravilhosos, e que narra uma doação feita pelo rei Aparadityadeva (que significa “Outro Sol”), da dinastia de Silahara, no reino de Konkana, de uma área considerável de terreno ao seu vassalo Mahalla, que, por sua vez, ficaria com a obrigação de aplicar parte das rendas na manutenção dum templo local consagrado ao Deus Sol – Aditya ou Surya. Quanto à estela maior, dedicada à Lua e ao Deus Shiva, teria pertencido ao famoso pagode de Somnath-Patane, no Kathiawar, próximo de Diu.
É por aí, junto às estelas, que se sobe para o Monte Sinai (termo hebraico de raiz Sin, “Lua”) ou das Alvíssaras, em cujo terreiro, diz a tradição do sítio, foi armado cavaleiro o sebástico D. Álvaro de Castro por Estevão da Gama, em 1541. Em volta deste pátio ainda se vêem os restos da ermida-habitação do navegador e guerreiro das partes do Oriente, 4.º Vice-Rei da Índia, depois anacoreta da Serra de Sintra, D. João de Castro.
A Família Castro de Sintra sempre esteve rodeada de mistérios e de prodígios semelhantes aos mais altos eventos das Escrituras. Aqui, nesta maravilhosa Quinta, ainda hoje “inexplicáveis” fenómenos Jinas a vêm protegendo da cobiça e da profanação do vulgo!…
St.ª Catarina, padroeira desta Família e provençal patrona dos Cátaros ou “Puros”, os Kátter, iconograficamente segura a Roda da Lei e a Âncora da Vida. Arrisco um pouco mais: os Castros de Sintra, que eram Cátaros de formação (a que se ligam os Costos ou Costas), desde sempre foram protegidos pelas “Forças Ocultas do Rei do Mundo”, isto é, pela secretíssima Ordem de Mariz, conforme indica sibilinamente a ornamentação dos túmulos de D. João de Castro e esposa, depositados na igreja do ex-Convento de S. Domingos de Benfica, encimando cada qual três penas dentro de uma coroa. Penha, Pena, Ave, Avis, Maris… Abaixo, suportando as urnas, três elefantes para cada uma delas. O elefante, além de representar o Oriente e a sua Tradição, também designa inconograficamente o Filho do Deus Shiva: Ganesha, afinal, o patrono da Sabedoria Divina, que é dizer, Teosofia.
CONVENTO DOS CAPUCHOS – Verdadeira recolecta de Homens-Jinas ou “Padres do Deserto” (detentores da Tradição Sacerdotal vivendo em reserva), encravada entre a face da Terra e as suas entranhas sibilinas, toda ela escavada na rocha pura e escondida pela vegetação imensa, foi fundada por D. Álvaro de Castro em 1560, reinando D. Sebastião, e nela viveram em absoluta reclusão perpétua doze espirituais frades Capuchinhos, assumidos cenobitas voluntários transformando o sítio num cenóbio singular. Num dos recantos da propriedade encontra-se a gruta de Frei Honório, que viveu isolado naquele pequeno buraco 30 anos, vindo a falecer aos 90. Frei Honório é a personificação do “Homem-Serpente” ou Hommo Teluricus (Naga, em sânscrito, Naha, em hebraico) que, no dizer de Lorde George Byron, “a fim de ganhar o Céu fez da Terra um longo inferno”. Ainda hoje se diz que “quem pretender penetrar o mistério do convento tem primeiro de morrer”, tradição oral atestada pelas duas estátuas semi-enterradas de dois monges capuchinhos, um subindo e outro descendo, dentro do Convento, assim como pela própria imagem na pequena capela do “Senhor Supliciado”, esculpida em mármore branco, no espaço florestal da cerca, postada junto ao caminho acidentado, de subida serpenteante tal qual uma Scalae Coeli, uma “Escada do Céu”.
Dedicado o Convento de Santa Cruz da Cortiça a Santo António, veja-se, agora, o significado etimológico do nome do Orago: António é um nome teóforo tendo por arquétipo aquele teónimo que no Antigo Egipto designava o Primogénito Divino saindo das Águas Primordiais da Génese, organizando a Vida ao mesmo tempo que engendrava todas as formas viventes. Trata-se de Atu-Unu, à letra: Atu = Senhor, Unu = Primogénito. É referência à Obra Divina do Segundo Logos no acto de manifestar-se no Terceiro, isto é, o Espírito revestindo-se da Matéria, da Forma.
As múltiplas transformações operadas no protótipo atuunu em consequência dos milénios decorridos e do espaço de evolução filológica conformada à fonética, são ilustradas através destes exemplos: Atuunu, Aton, Athon, Adon, Adam (em hebraico, “Homem”), Adonis, Âtuniu, Antuniu e finalmente o latino Antonius, donde o português António.
O Cristianismo recebeu essa velha crença pagã da génese aquática de António, como deus marinho, tendo naturalmente de fazer-se entender pelos peixes, e daí a conhecida lenda da “pregação de St.º António aos peixes”. O camítico Atunu desenvolveu também os ictiónimos atum (português), afun (espanhol), thunnos (grego e latim), tunny (inglês), thon (francês), etc. Atunu teve por companheira Atunina, que em português se fonetizou Atoninha ou simplesmente Toninha.
Logo, António encerra o sentido mítico-filológico de “Astro do Deus Altíssimo”, ou, o que é o mesmo, de “Terra de Aton ou Aton-Ra”, o Rei-Sol da teofania egípcia, antropomorfizado em Akenaton. Assim sendo, o Convento de Santo António dos Capuchos é “Terra Sagrada, de Luz”, pequena Lusitânia de ascetas resguardados pelas imponentes penhas beijadas pelo perfume de suas espirituais disciplinas. Talvez por isso, quando D. Filipe II o visitou ter afirmado que possuía nos seus dilatados reinos o convento mais rico e o convento mais pobre de quantos haviam sobre a Terra: o mais rico era o Escurial; o mais pobre este singelo Eremitério dos Capuchinhos, tão escondido e tão espiritual numa prega discreta da Serra de Sintra.
Também chamado de Santa Cruz ou da Cortiça, como disse mais atrás, essa é a “pele” do sobreiro, designativo vegetal da Via Seca da Alquimia e consequentemente Árvore do Espírito Santo, por sua natureza seca e flogística, expresso pela Vera Cruz de “cuja pedra sabiam extrair mel” os doze espirituais eremitas de Santo António (discípulo coevo de São Francisco de Assis), humanização de Adonai, que é o mesmo etimologicamente. As suas celas, escalvadas na montanha, verdadeiros laboratórios espirituais aquecidos pela cortiça, mais parecem humildes sacrários ou lareiras místicas em cujo interior, em devota “soledade”, entravam em comunhão com o seu Santo Ser ou Sol Interior na imagem helíaca do supracitado Santo António trazendo ao colo o Menino-Desejado, o Rei-Sol destas faldas sintrianas.
Por cima do Convento, situa-se a:
ANTA DO MONGE – Que na verdade não é anta mas tholos, antiga construção circular quase reduzida aos alicerces e que fora, durante o período Calcolítico (cerca 2700 a. C.), santuário Celtibero ou mesmo Ligúrico. Ao seu lado, um marco geodésico (488 m de altitude) assenta sobre a primitiva mamoa. O seu sobrenome, “do Monge”, é herança da memória do episódio lendário ou não aí ocorrido com um monge capuchinho que, em noite de bruma perdido na serra, viu-se subitamente “num outro mundo”!… Indo mais para o mar oceano na direcção do Cabum Lunarum, Serpens, da Roca ou Rocha, chega-se a…
NOSSA SENHORA DA PENINHA – Ermida fundada no século XVII por Pedro Pais, Mestre-Canteiro, que com o auxílio das esmolas dos devotos das povoações à volta e de D. Pedro II ergueu no Monte de São Saturnino o pequeno e românico templo cúbico (Kaaba) à Virgem Negra da Peninha, a qual até essa altura esteve exposta à devoção numa outra capela, no sopé do monte, consagrada ao referido santo, junto da qual há um pequeno cemitério seiscentista, destinado a crianças (o Saturnino cristão tal como o Saturno mitológico devora os seus filhos, ou antes, acolhe os seus infantes inocentes…), a que se acede por um carreiro empedrado tendo ao inicio, gravada numa fraga, a Cruz Patrística dos Franciscanos, e num recanto próximo, escondido pelas penhas, um poço em meia-lua feito de tijoleira, num estilo romano-árabe. Esta última capela, hoje em ruínas, diz-se ter sido fundada por Pêro Pais, signifer ou signifero – “porta-estandarte” – de D. Afonso Henriques, o qual viveu antes na ermida da Senhora de Melides, em Colares. Quanto à capela da Virgem da Peninha, está revestida de azulejos de largo desenho e belo colorido (datados de 1711) relatando os 44 passos da vida de Nossa Senhora, destacando-se a cena do Pentecostes tendo por ambiente natural a própria Serra de Sintra, desta maneira e mais uma vez sacralizada com a presença da Mãe Divina.
O púlpito é de mosaico e mármores variados, que se diz terem sido retirados de numerosos veios da Serra. A Peninha feche o Curso Iniciático Sintriano.
Com isso bem se enquadra a lenda simples de domínio popular sobre os nomes das Cinco Irmãs Penhas da Serra de Sintra, que assim conta:
O Senhor, Deus Todo-Poderoso, criava o mundo e preparava-se para moldar e edificar a Serra de Sintra, quando ouviu solicitações dos materiais a empregar naquele cometimento.
Prosseguindo a lenda, o Criador um a um dos seus solicitantes e de comum acordo arranjou solução para os pedidos formulados. O Grande Arquitecto, afável e sorridente, docemente reparou em cinco rochas que nada pediram. Inquirindo do seu mutismo, aqueles fraguedos solicitaram mudança de nome. Não desejavam ser chamadas rochas, penhascos ou fraguedos.
– Serão Penhas!
Ficaram contentíssimas e aproveitando o feliz momento, rogaram do Criador mercê para lhes dar o respectivo apelido. Segundo a lenda começaram a ser conhecidas pelas nominações seguintes:
– Penha Ferrim – Firme nos intentos e pertinaz nos cometimentos.
– Penha Longa – Por ser a maior e ainda a serás sede de grande comunidade cristã.
– Penha da Pena – Fervorosa na devoção a Santa Maria.
– Penha Verde – Viva e verdejante verás e albergarás leal e Santo varão, dos maiores que habitaram estes sítios.
E olhando na mais pequena:
– Tu serás a Peninha na qual aparecerá a minha Mãe.
TÚMULO DOS DOIS IRMÃOS – Junto ao Ramalhão, para quem vem ou sai de Sintra, encontra-se um monumento funerário, isolado, conhecido por “túmulo dos dois irmãos”. Arca funerária românica bastante simples, possui à cabeceira e aos pés duas estelas discóides, com cruzes Templárias esculpidas. Apesar de aberto e verificar-se existir no seu interior só um esqueleto incompleto, ainda assim teima-se em acreditar que nele estariam originalmente dois corpos e que a sepultura teria sido saqueada. Compartilho dessa opinião.
Segundo a lenda corrente, aí jazeriam os restos mortais de dois Lázaros, não tanto agafados ou leprosos do hospital próximo (desaparecido) mas sobretudo “Ressuscitados no Espírito” (Dwijas), um Cristão e outro Mouro como Irmãos de Culto (Gnose e Sufismo) que, apaixonados pela mesma Donzela (a “Madona Sabedoria”), a ela dedicaram a sua vida e por ela morreram consumidos de espirituais amores. Amigos e Irmãos, juntos foram enterrados como Gémeos Espirituais, designando com isso a duplicidade (e mesmo triplicidade) astrosófica desta Montanha: o Sol via Júpiter-Vénus age sobre a Lua e a sua Serra, ou seja, reportando-me ao túmulo, Cristão à cabeceira e Mouro aos pés.
Fonte da Sabuga ou do Sol, Sintra
O mesmo acontece na ex-Mesquita de Fátima, convertida Capela de S. Pedro de Penaferrim no reinado de Afonso I, junto ao Castelo dos Mouros (activa no culto pelo menos até ao século XVI, segundo Nuno Saldanha em A Capela de S. Pedro de Penaferrim, em Sintra. Aedificiorum, n.º 1, 1988): aí encontra-se um túmulo onde jazem indistintamente os despojos mortais de cristãos e mouros, recolhidos no cemitério anexo à fortaleza. A lápide da sepultura comum apresentava esculpidas, ainda há poucos anos, uma cruz latina tendo abaixo um crescente lunar sobre um crânio com duas tíbias entrelaçadas. O seu significado oculto é o seguinte: a união imortal do Oriente com o Ocidente feita em Sintra, coisa inédita no Mundo!
Assinala, igualmente, o carácter luni-solar desta e de toda a Montanha Sagrada que haja sobre a Terra, como acontece, por exemplo, nessa outra Montanha Moreb no Sul de Minas Gerais, Brasil, coroando a cidade de S. Lourenço, onde se encontram duas insculturas líticas representando o Sol e a Lua. Com efeito, como já disse, onde há um Culto Lunar também existe o Solar, e vice-versa, como complemento fundamental.
A prova disso é encontrada numa gravura do pintor e escritor Francisco de Holanda, que viveu no século XVI (1517-1584). Em seu livro levando o título Da Fábrica que falece ha Cidade de Lysboa, que terminou em 1571, ele desenha e descreve um templo romano, na Praia das Maçãs, cujo cipo (que está actualmente no Museu de Odrinhas) consagra-o “ao Sol Eterno e à Lua”. Sol Aeternus é epíteto dado pelos Sírios e herdado pelos Romanos a Júpiter Dolichenus, afinal, o astro que juntamente com Vénus rege a barda e sagrada Montanha de Sintra.
Águia jupiteriana na Serra Sagrada de Sintra
Por seu lado, o Visconde de Juromenha em sua Cintra Pinturesca refere a lápide votiva romana achada na ermida da Senhora de Milides, junto a Colares, a qual era dedicada ao “Sol e Lua Eternos”.
Tudo isso não deixa de coadunar-se à natureza andrógina ou macho-fêmea (Sol e Lua) do Santo Graal de que esta Montanha é a expressão mais lídima sobre a Terra, quer como condição de Consciência Iluminada, quer como Objecto Sagrado. Como Consciência, o Graal é:
– O Mental Superior exprimindo a Mónada Divina ou a Tríade Superior, como sejam os princípios interiores de Intuição e Espírito, consequentemente, é a expressão simbólica do
– Terceiro Logos ou Trono, representado na Mãe Divina, que uns associam a Shiva e outros ao Espírito Santo, para todos os efeitos, o Princípio Causal do Homem e do Mundo.
Como Objecto, o Graal é:
– GRAL é o almofariz, objecto de laboratório, onde são feitas certas misturas químicas.
– GRAAL é a Taça Sagrada. Nela, naturalmente, são feitas as mais sublimes, espirituais e místicas fusões e sublimações alquímicas.
Estando o Graal tríplice representado na deografia ou geografia sagrada de Sintra, é situado como Graal-Taça no Castelo dos Mouros (na Iniciação Teúrgica associado ao Pico do Graal); como Graal-Livro no Palácio da Pena (com o seu Bosque do Graal); como Graal-Pedra em St.ª Eufêmia da Serra (com a sua Ara do Graal). Assessora-o o Quinto Cavaleiro São Jorge (Akdorge), “Senhor do V Império” como “Príncipe do Santo Graal” cujo Rei ou Imperador é o próprio Cristo Universal, na Mata do Ferreiro, pertencente aos jardins da Pena. O seu nome comum, o “Arquitecto” (erroneamente associado ao Barão de Eschwege, por este ter sido o arquitecto presidindo à construção do Palácio Real da Pena), tem muito menos valor que este outro de o “Guerreiro”, em iconografia igualíssima à que se vê num vitral da capela da Virgem da Pena retratando São Jorge. Trata-se da estátua em bronze de um homem, em tamanho natural, erecto sobre uma elevação cujas penhas configuram uma rosa fechada. Defronte para o Palácio, veste “à romana” com elmo tripenacho e armado de lança e escudo, este tendo gravada uma caravela com as velas recolhidas, direccionada a Ocidente, o que para mim significa ter alcançado em 1500 o Porto Seguro das praias douradas de Vera Cruz, o Brasil ou a “Nova Lusitânia”, no dizer de Pedro de Mariz, na meta ideal do V Império, mas simultaneamente significando, no Presente face ao Futuro, que falta cumprir-se Portugal!
Vitral da Capela de Nossa Senhora do Palácio da Pena (Penha)
Com efeito, esta estátua do Pai de Lohengrin, ou seja, Parsifal (o mesmo Akdorge ou São Jorge), o Guerreiro, apresenta-se erecta olhando em frente – precisamente na direcção do Palácio – sobre uma base de pedra onde se encontra inscrito o número, talvez data, 1848. Na versão comum mais aceite tratar-se, e tão só, repito, da imagem do Barão de Eschwege (Wilhelm Ludwig von Eschwege), colaborador incansável de D. Fernando II na criação da obra magnífica que é o Palácio e Parque da Pena, sobre os quais Richard Straus, na sua visita a Sintra no quartel final do século XIX, ante a sua visão exlamou deslumbrado: “Eis ali o Jardim e o Palácio do Santo Graal”! Quanto à estátua em questão, é em pedra (ao passo que a lança é em ferro), e as suas medidas são (de acordo com a incontornável Monografia do Parque da Pena – Estudo dendrológico-florestal, de Mário de Azevedo Gomes, Lisboa, 1960, sendo que este autor era neto da Condessa d´Edla, esposa morganática do rei D. Fernando) as seguintes: altura – 2,75m; lança – 2,80m; largura de ombros – 0,75m; pé – 0,35m; escudo – 0,65m x 1m.
Uma prova inquestionável de não ser esse exclusivamente o Barão de Eschwege, é encontrada em antigas obras literárias de teor hermetista que apresentam ao seu início a mesma figura do “Guerreiro”, só que ao invés da caravela gravada no escudo vêem-se as letras hebraicas Yod-He-Vau-Heth formativas do Tetragramaton sobre a estrela de seis pontas ou Hexalfa. Mas bastariam os três penachos ou tripenacho do mesmo “Guerreiro” para demonstrar que Ele representa o “Governo Oculto do Mundo”, sendo ao mesmo tempo o Grande Papa e o Grande Monarca como as duas expressões Pax et Lex do Rex Mundis – MELKITSEDEK ou CHAKRAVARTI, tanto vale.
Santo e Guerreiro Akdorge da Serra Sagrada de Sintra
O Palácio da Pena, o Guerreiro e a Cruz Alta (o velhinho Pico dos Kurats, o verdadeiro e consignado Pico do Graal) formam entre si um triângulo rectângulo (também chamado “Triângulo de Pitágoras” e “Triângulo de Ouro”, por seus lados estarem em relação ao “Número de Ouro” – 1.618) qual Delta Teúrgico, cujo “Olho do Eterno”, ao centro, está representado na capela circular (vulgo “templo das 12 colunas”, levantado por volta de 1840) de St.º António do Espírito Santo, indicativa da Lua (assinalada no crescente lunar coroando a sua abóbada exterior) e do Sol, este assinalado na abóbada interior onde se vê o medalhão vermelho com a Cruz Salvífica de Cristo, designativa do Novo Sol Cíclico, o Novuspalux – o Pramantha-Dharma, direi assim, para indicar as Regras evolucionais do Novo Ciclo da Terra e de quanto nela vive.
Cruz Alta de Sintra, o “Pico do Graal”
É tal a importância da Cruz Alta, na geografia sagrada sintriana, que Francisco Costa aí deixou lapidado um seu poema datado de MCMXXXIII (1933) consagrado ao sítio:
CRUZ ALTA
Longe das ondas turvas da maldade.
Sobre este cume entre rochedos nus.
És bem o extremo apoio, que Jesus
Legou por sua morte, à Humanidade.
.
Vai bem à tua simples majestade
Este lugar que te foi dado ó Cruz:
Pois neste cimo é mais intensa a luz
E é mais intensa e bela a tempestade.
.
Feriu-te um dia o raio e, certamente,
Mais de uma alma estranhou, irreverente,
Que o Céu visasse o que une o Céu à Terra…
.
Mas eu sei que tu é que atraíste
A cólera do espaço e assim cobriste
Com dois pequenos braços toda a Serra.
Esta Cruz, cuja original se deve ao rei D. Fernando II de Saxe Coburgo-Gotha, tem 3,5 m de altura, 1,5 de largura e pesa cerca de 1700 kg. Feita de maneira a figurar os tramos com nozes de uma árvore seca, cuja réplica a Condessa d´Edla quis para coroar a sua última morada nos Prazeres (Celestes), lembra-me que em Portugal o nosso Santo António, ou Santo Antoninho, introduziu no seio da Ordem Franciscana, influenciando a Agostinha, a disciplina espiritual de Realização pela Ascese ou Via Seca, com isso provocando alterações sensíveis na metodologia da religião vigente. Ele foi o São Francisco português, o Isku ou Ligure da Cristandade, a “Arca da Aliança” de Deus com o Homem, parafraseando o Padre António Vieira.
A tomada de consciência do Espírito Sintriano é feita em simultâneo com a tomada de consciência individual, no acto supremo de transformar a vida-energia em vida-consciência. E isto é Iniciação Real.
O Homem Integral é constituído de 7/7. Todavia, até ao momento, só é consciente de 4/7 (ao nível da personalidade humana – Mental Inferior, Emocional, Vital, Físico) e inconsciente de 3/7 (ao nível da individualidade espiritual – Espiritual, Intuicional, Mental Superior). Esses 4/7 dinâmicos não deixam de ser a manifestação do Ser Verdadeiro, e quando a criatura humana desenvolver os 3/7 estáticos tornar-se-á, de facto e direito, divina.
O Homem, em sua labuta e demanda constantes, almeja e vai realizando a sua complementação integral, ou seja, o desenvolvimento dos 3/7 que faltam para chegar ao Todo, à Unidade, a Deus. Este é o único e verdadeiro Caminho da Iniciação Real, aqui, representado e particularizado pela Rota Jina de Sintra, a qual descreverei posteriormente.
Tal carácter parúsico de Sintra como Tebaida “avalónica” albergando em seu seio o Sangue Real de Cristo Pantocrático, via Linhagem encoberta devido aos ventos furiosos da repressão eclesial vigente sobre a Terra a par do poder estatal subordinado daquela, ambos em inteira conexão anti-Sinárquica e anti-Tradicional própria desta Kali-Yuga ou “Idade Sombria”, deu azo a crónicas e cronicões de escritores afamados dos séculos XIV-XVIII, de que destaco a Crónica do Imperador Clarimundo, de João de Barros, dedicada ao então príncipe D. João (futuro D. João III). Escorando-se nos cronicões da época, João de Barros fará eco da naturalidade húngara do Conde D. Henrique que, neto do mesmo Imperador Clarimundo (tanto valendo por “Luz do Mundo” – o Cristo Parúsico ou em sua “Segunda Volta”, mas também como Melkitsedek, “A Luz e o Governo do Mundo”, logo, Rei do mesmo e a cuja dinastia sagrada, dando fé à crónica, pertencia o pai do Fundador da Nacionalidade), se assume como Cavaleiro do Santo Graal até que, após sucessivas aventuras de âmbito declaradamente iniciático, haverá de desembarcar em Portugal, auxiliado pelo sábio Fanimor, junto a Sintra, terra que “dará os seus filhos para o reparo do Sangue de Cristo”.
O encantado Castelo do Santo Graal, “Escada do Céu” em Sintra
No cume da Serra Sagrada, o velho sábio, mergulhado na luz do Espírito, predirá, em épicas oitavas, os gloriosos feitos portugueses, dando destaque à origem da Demanda e da Nação a partir de Sintra: “… D. Afonso Henriques primeiro, / Primeiro em nome, e em verdadeiro / Rei enviado por Deus glorioso”. Pelo que: “… Ó armas divinas, que aqui sereis dadas, / Dadas por Cristo por mais perfeição, / Ter-vos-ão todos tal veneração, / Quanto por obras sereis exalçadas”.
Com esta descrição sumária da espiritualidade e de alguma monumentalidade da romântica e barda Sintra, à luz do Mito que faz a História, dou por encerrado este capítulo, não sem antes convidar a que se inicie, quanto antes, a Demanda do “Si” mesmo, do Santo Graal, que na Ara do Monte Salvat ou Monte Salvo vem iluminando as mentes e os corações de quantos por Ele são piedosamente agraciados, e mesmo os que ainda não têm sensibilidade bastante para O sentir, pois que, exprimindo ao Cristo Universal exprime a toda a Humanidade e, com isto, haverá de firmar aqui e para todo o Mundo a derradeira e suprema Vitória de Deus.
NOTAS
1) Victor Magnien, Les Mystères d´Eleusis, p. 354. Cf. Dalila Pereira da Costa, Da Serpente à Imaculada. Lello & Irmão – Editores, Porto, 1984.
2) Roger Sherman Loomis, The Development of Arthurian Romance. Harper & Row, New York, 1964.
3) Vitor Manuel Adrião, Sintra, Serra Sagrada (Capital Espiritual da Europa). Livros Dinapress, Lisboa, 2007. E também do autor, Quinta da Regaleira (A Mansão Filosofal de Sintra). Via Occidentalis Editora, Lisboa, 2007, e Quinta da Regaleira (Sintra, História e Tradição), Livros Dinapress, Lisboa, 2013.
Créditos fotográficos – Arquivo Comunidade Teúrgica Portuguesa e Paulo Andrade.
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