Os Cavaleiros Templários
No
fim do século 13, restava apenas um pedacinho de terra cristã a ser conquistada
pelos muçulmanos na Terra Santa: uma fortaleza com um punhado de Cavaleiros
Templários na cidade litorânea de Acre (situada onde atualmente é o norte do
Estado de Israel). Sabendo o que iria enfrentar, apesar de contar com milhares
de soldados muçulmanos que cercavam o lugar, o sultão Al-Sharaf preferiu
oferecer um salvo-conduto para que as duas centenas de Templários deixassem o
local levando as riquezas que tinham e assim evitar um combate com eles. O
episódio não terminou bem para nenhum dos lados, mas ilustra o temor que esses
"guerreiros de Cristo" impunham em seus adversários durante os dois séculos em
que a Ordem dos Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão existiu.
A
Ordem dos Cavaleiros Templários, como ficou mais conhecida, surgiu da iniciativa
de um grupo de nobres franceses no começo do século 12 de garantir as conquistas
na Terra Santa feitas pela Primeira Cruzada e de proteger os peregrinos europeus
que para lá se dirigiam. O grupo ganhou a benção de ninguém menos do que o
futuro São Bernardo - o monge e abade francês Bernardo de Clairvaux, um dos mais
influentes intelectuais da Europa na época. Com a ajuda dele, a Ordem conseguiu
o apoio oficial do Papa e privilégios especiais que a tornaram a mais
importantes ordem militar a serviço da Igreja Católica. Rapidamente, os
Templários obtiveram também o apoio de reis e da nobreza europeia que lhes
fizeram doações e deixaram heranças tornando a Ordem rica e poderosa, o que a
levaria a funcionar como uma espécie de banco internacional.
A Ordem dos Templários acabou perseguida e extinta há sete séculos, pela própria Igreja que a apoiou e deu-lhe poder. Mesmo assim, não param de surgir narrativas lendárias sobre seus feitos. Na imaginação de muitas pessoas as aventuras dos Templários envolveram a busca do Santo Graal, a guarda da Arca da Aliança e a descoberta de supostos segredos do Templo de Salomão que possibilitariam uma comunicação com Deus, entre outras coisas místicas. Muitas dessas lendas nasceram a partir da mistura de fatos históricos, crenças religiosas e, principalmente, de suposições alimentadas pelos mistérios que envolviam o funcionamento da Ordem.
Lendas à parte, uma das evidências sobre os Templários, confirmada por historiadores, é a bravura e o fanatismo religioso que eles demonstravam. Isso os levou a cometer verdadeiras batalhas suicidas, crentes de que sempre tinham Deus ao seu lado. Além disso, eles tinham permissão divina para matar os "infiéis" conforme atestou Bernardo de Clairvaux no "Livro dos Soldados do Templo". Segundo o futuro santo, nesses casos os Templários não estariam desrespeitando os Dez Mandamentos, afinal não matariam homens e sim a encarnação do "mal": “o soldado de Cristo é o instrumento de Deus para a punição dos malfeitores e para a defesa dos justos. Na verdade, quando ele mata malfeitores, não se trata de homicídio, mas de malicídio”.
Entre os anos de 1095 e 1099 aconteceu a Primeira Cruzada que levou os cristãos europeus a conquistarem territórios que estavam sob controle muçulmano na Terra Santa. Mas no reino que eles estabeleceram por lá faltavam tropas militares para garantir a segurança numa terra cercada por inimigos. Além disso, muitos peregrinos cristãos europeus que iam para Jerusalém ficavam à mercê de ataques de bandidos. Entre 1119 e 1120, um nobre francês chamado Hugo de Payens e um grupo de oito cavaleiros franceses prometeram se dedicar à proteção dos peregrinos e a formar uma ordem militar-religiosa com esse propósito.
Eles partiram para o Reino de Jerusalém e ofereceram seus serviços ao rei Balduíno II, que não só aceitou como também ofereceu para a futura Ordem uma parte do palácio real que ficava localizada onde eles acreditavam havia sido o Templo do Rei Salomão. Payens iniciou então a formação de uma milícia que foi nomeada como Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão. Mas Hugo e os cavaleiros não queriam apenas defender o Santo Sepulcro e os peregrinos, eles pretendiam também viver como monges com votos de pobreza e castidade.
Em 1127, Hugo partiu de volta para a Europa em busca de mais recursos para a Ordem. Sua ideia foi muito bem recebida por nobres, principalmente na França, Espanha e Inglaterra e ele obteve generosas doações. Nos anos seguintes, além das doações ele conseguiria um apoio fundamental para a importância e o poder que os Templários teriam: a simpatia e o apoio do abade Bernardo de Clairvaux, na época um dos mais influentes intelectuais europeus. Bernardo não só escreveu as regras que regeriam os Templários e textos que defenderam a Ordem das críticas por sua atuação religiosa-militar, como também ajudou os Templários a conseguir vários privilégios do papa Inocêncio II, como o que que os isentava das jurisdições epsicopais e os ligava hierarquicamente direto com o papa.
Bernardo - que seria canonizado e viraria santo - obteve
também para os Templários o direito ao "malicídio", uma espécie de "licença para
matar", no melhor estilo James Bond. Só que como o ato de matar outro ser humano
era algo condenado pelos Dez Mandamentos, e portanto por Deus, era preciso
justificar a tarefa dos Templários de matar os "infiéis", nesse caso os
muçulmanos. O abade Bernardo então teorizou que nesses casos matar em nome de
Deus não era um homícidio, pois não estava se matando homens e sim encarnações
do mal, portanto tratava-se de um "malicídio", e isso podia.
Em meados do século 12 os Cavaleiros Templários eram ricos, poderosos e independentes. Calcula-se que a Ordem chegou a acumular nove mil propriedades espalhadas pela Europa e a Palestina. Os Templários construíram castelos e igrejas e guardaram tesouros da nobreza e da realeza. Começaram também a emitir cartas de crédito para peregrinos europeus que iam a Terra Santa. A pessoa depositava uma quantia na Europa e poderia usá-la quando estivesse em Jerusalém.
Ainda que ricos e acumulando a inédita função de banqueiros internacionais, o que mais interessava aos Templários era lutar. A mistura da habilidade com a espada e como cavaleiros com a valentia, o fanatismo religioso e a arrogância, que muitas vezes os conduziu a batalhas suicidas, tornaram os Cavaleiros Templários verdadeiros guerreiros temidos por todos os inimigos. A estrutura hierárquica da Ordem tinha um grão-mestre como líder principal e vitalício, que ficava em Jerusalém, e os territórios sob influência dos Templários eram divididos em províncias, cada qual com seu comandante templário.
As vitórias em batalhas fizeram a reputação da Ordem crescer e aumentaram as doações e o interesse de cavaleiros em participar da Ordem. Mas a arrogância e a ganância dos Templários também cresciam, o que os fez desviar de seu objetivo principal. Além disso, a postura belicista da Ordem começou a ser um problema para os governantes cristãos na Terra Santa, que cercados por uma mar de muçulmanos viam cada vez mais a negociação com os adeptos do Islamismo como uma solução para sua sobrevivência por ali, nem que fosse temporariamente. No entanto, os Templários não pensavam assim e preferiam sempre partir para a luta de uma vez, o que acabou sendo um erro fatal.
Apesar de possuírem vários inimigos, enquanto os
territórios cristão permaneceram protegidos na Terra Santa, os Templários
mantiveram seu poder e influência. No entanto, uma atitude de arrogância começou
a fazer o prestígio da Ordem ruir. Desde 1170, quando subiu ao poder, o líder
muçulmano Saladino iniciou um processo de unificação no mundo muçulmano que fez
os territórios cristãos na Terra Santa ficarem totalmente cercados. Saladino
pretendia retomar todas as cidades na Palestina que foram conquistadas pelos
cristãos durante as Cruzadas. As tropas muçulmanas de Saladino e os Templários
já tinham se enfrentado em várias batalhas.
Em 1187, uma tropa de cerca de cinco mil soldados muçulmanos liderados por Al-Afdal, filho de Saladino, pediu permissão para atravessar pacificamente a Galiléia. Raimundo 3.°, príncipe da Galiléia, mantinha um acordo de paz com Saladino e autorizou a passagem da tropa muçulmana. Mas o grão-mestre dos Templários, Gérard de Ridefort tinha desavenças com Raimundo e ao saber da autorização decidiu atacar os muçulmanos com cerca de uma centena de cavaleiros. Os Templários foram massacrados - Ridefort fugiu - e Saladino considerou o acordo rompido e atacou o Reino de Jerusalém. Em outubro de 1187 ele tomou a cidade e mais de duas centenas de Cavaleiros Templários foram decapitados.
Os cristãos, no entanto, mantiveram outras cidades na região e com a ajuda dos Templários e da Terceira Cruzada, organizada e liderada pelos reis Filipe Augusto, da França, Frederico Barbaruiva, do Sacro Império Romano Germânico, e Ricardo Coração de Leão, da Inglaterra, chegaram a recuperar por alguns anos Jerusalém. As disputas acirraram-se ao longo do século 13 e em 1291 restava apenas a cidade de Acre, sede do cada vez menor reino cristão na Palestina. O último bastião cristão na Terra Santa foi uma fortaleza dos Cavaleiros Templários na ilha de Ruad que resistiu durante doze anos aos ataques muçulmanos até que caiu em 1303.
A
perda da Terra Santa foi o argumento que os inimigos dos Templários necessitavam
para atacar a Ordem que agora não tinha mais razão de existir mas que continuava
rica e poderosa - lembre-se que a finalidade dos Templários era proteger os
territórios cristãos na Terra Santa e os peregrinos. O principal inimigo deles
nesse caso era o rei Filipe, o Belo, da França, que estava interessado no
confisco dos bens da Ordem. Para piorar as coisas, o então papa Clemente 5.° era
um fantoche do rei da França. Em 1307, três anos após um ex-cavaleiro templário
ter acusado a Ordem de blasfêmia e imoralidade, Filipe ordenou a prisão de todos
os cerca de 15 mil Templários em território francês. Ele os acusou de heresia,
com a adoração de ídolos e rituais secretos que negavam Cristo, e por
imoralidade, como a prática de homossexualismo, entre outros crimes que
certamente levariam à condenação por morte na fogueira nos tribunais
da Inquisição.
A perseguição orquestrada pelo rei francês incluiu torturas para obter falsas confissões e pressões para que o papa Clemente 5.° revogasse uma decisão do Concílio de 1311 que considerou os Templários inocentes das acusações. As propriedades dos Templários em toda a Europa foram confiscadas ou transferidas para outra ordem militar-religiosa, a dos Hospitalários. A perseguição política aos Cavaleiros Templários empreendida por Filipe, o Belo, e o papa levaram ao fim da Ordem mas não acabaram com o imenso prestígio que eles construíram na Europa e na Terra Santa e acabaram por alimentar novas lendas e mistérios que envolvem os Templários até hoje.
A Ordem dos Templários acabou perseguida e extinta há sete séculos, pela própria Igreja que a apoiou e deu-lhe poder. Mesmo assim, não param de surgir narrativas lendárias sobre seus feitos. Na imaginação de muitas pessoas as aventuras dos Templários envolveram a busca do Santo Graal, a guarda da Arca da Aliança e a descoberta de supostos segredos do Templo de Salomão que possibilitariam uma comunicação com Deus, entre outras coisas místicas. Muitas dessas lendas nasceram a partir da mistura de fatos históricos, crenças religiosas e, principalmente, de suposições alimentadas pelos mistérios que envolviam o funcionamento da Ordem.
Lendas à parte, uma das evidências sobre os Templários, confirmada por historiadores, é a bravura e o fanatismo religioso que eles demonstravam. Isso os levou a cometer verdadeiras batalhas suicidas, crentes de que sempre tinham Deus ao seu lado. Além disso, eles tinham permissão divina para matar os "infiéis" conforme atestou Bernardo de Clairvaux no "Livro dos Soldados do Templo". Segundo o futuro santo, nesses casos os Templários não estariam desrespeitando os Dez Mandamentos, afinal não matariam homens e sim a encarnação do "mal": “o soldado de Cristo é o instrumento de Deus para a punição dos malfeitores e para a defesa dos justos. Na verdade, quando ele mata malfeitores, não se trata de homicídio, mas de malicídio”.
Entre os anos de 1095 e 1099 aconteceu a Primeira Cruzada que levou os cristãos europeus a conquistarem territórios que estavam sob controle muçulmano na Terra Santa. Mas no reino que eles estabeleceram por lá faltavam tropas militares para garantir a segurança numa terra cercada por inimigos. Além disso, muitos peregrinos cristãos europeus que iam para Jerusalém ficavam à mercê de ataques de bandidos. Entre 1119 e 1120, um nobre francês chamado Hugo de Payens e um grupo de oito cavaleiros franceses prometeram se dedicar à proteção dos peregrinos e a formar uma ordem militar-religiosa com esse propósito.
Castelo dos Templários em Ponferrada, na Espanha. Em 1178, a cidade foi doada aos Templários para que eles protegessem os peregrinos |
Eles partiram para o Reino de Jerusalém e ofereceram seus serviços ao rei Balduíno II, que não só aceitou como também ofereceu para a futura Ordem uma parte do palácio real que ficava localizada onde eles acreditavam havia sido o Templo do Rei Salomão. Payens iniciou então a formação de uma milícia que foi nomeada como Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão. Mas Hugo e os cavaleiros não queriam apenas defender o Santo Sepulcro e os peregrinos, eles pretendiam também viver como monges com votos de pobreza e castidade.
Em 1127, Hugo partiu de volta para a Europa em busca de mais recursos para a Ordem. Sua ideia foi muito bem recebida por nobres, principalmente na França, Espanha e Inglaterra e ele obteve generosas doações. Nos anos seguintes, além das doações ele conseguiria um apoio fundamental para a importância e o poder que os Templários teriam: a simpatia e o apoio do abade Bernardo de Clairvaux, na época um dos mais influentes intelectuais europeus. Bernardo não só escreveu as regras que regeriam os Templários e textos que defenderam a Ordem das críticas por sua atuação religiosa-militar, como também ajudou os Templários a conseguir vários privilégios do papa Inocêncio II, como o que que os isentava das jurisdições epsicopais e os ligava hierarquicamente direto com o papa.
Em meados do século 12 os Cavaleiros Templários eram ricos, poderosos e independentes. Calcula-se que a Ordem chegou a acumular nove mil propriedades espalhadas pela Europa e a Palestina. Os Templários construíram castelos e igrejas e guardaram tesouros da nobreza e da realeza. Começaram também a emitir cartas de crédito para peregrinos europeus que iam a Terra Santa. A pessoa depositava uma quantia na Europa e poderia usá-la quando estivesse em Jerusalém.
Ainda que ricos e acumulando a inédita função de banqueiros internacionais, o que mais interessava aos Templários era lutar. A mistura da habilidade com a espada e como cavaleiros com a valentia, o fanatismo religioso e a arrogância, que muitas vezes os conduziu a batalhas suicidas, tornaram os Cavaleiros Templários verdadeiros guerreiros temidos por todos os inimigos. A estrutura hierárquica da Ordem tinha um grão-mestre como líder principal e vitalício, que ficava em Jerusalém, e os territórios sob influência dos Templários eram divididos em províncias, cada qual com seu comandante templário.
As vitórias em batalhas fizeram a reputação da Ordem crescer e aumentaram as doações e o interesse de cavaleiros em participar da Ordem. Mas a arrogância e a ganância dos Templários também cresciam, o que os fez desviar de seu objetivo principal. Além disso, a postura belicista da Ordem começou a ser um problema para os governantes cristãos na Terra Santa, que cercados por uma mar de muçulmanos viam cada vez mais a negociação com os adeptos do Islamismo como uma solução para sua sobrevivência por ali, nem que fosse temporariamente. No entanto, os Templários não pensavam assim e preferiam sempre partir para a luta de uma vez, o que acabou sendo um erro fatal.
Gravura reproduz a morte do marechal dos Templários Jacques de Mailly |
Em 1187, uma tropa de cerca de cinco mil soldados muçulmanos liderados por Al-Afdal, filho de Saladino, pediu permissão para atravessar pacificamente a Galiléia. Raimundo 3.°, príncipe da Galiléia, mantinha um acordo de paz com Saladino e autorizou a passagem da tropa muçulmana. Mas o grão-mestre dos Templários, Gérard de Ridefort tinha desavenças com Raimundo e ao saber da autorização decidiu atacar os muçulmanos com cerca de uma centena de cavaleiros. Os Templários foram massacrados - Ridefort fugiu - e Saladino considerou o acordo rompido e atacou o Reino de Jerusalém. Em outubro de 1187 ele tomou a cidade e mais de duas centenas de Cavaleiros Templários foram decapitados.
Os cristãos, no entanto, mantiveram outras cidades na região e com a ajuda dos Templários e da Terceira Cruzada, organizada e liderada pelos reis Filipe Augusto, da França, Frederico Barbaruiva, do Sacro Império Romano Germânico, e Ricardo Coração de Leão, da Inglaterra, chegaram a recuperar por alguns anos Jerusalém. As disputas acirraram-se ao longo do século 13 e em 1291 restava apenas a cidade de Acre, sede do cada vez menor reino cristão na Palestina. O último bastião cristão na Terra Santa foi uma fortaleza dos Cavaleiros Templários na ilha de Ruad que resistiu durante doze anos aos ataques muçulmanos até que caiu em 1303.
A perseguição orquestrada pelo rei francês incluiu torturas para obter falsas confissões e pressões para que o papa Clemente 5.° revogasse uma decisão do Concílio de 1311 que considerou os Templários inocentes das acusações. As propriedades dos Templários em toda a Europa foram confiscadas ou transferidas para outra ordem militar-religiosa, a dos Hospitalários. A perseguição política aos Cavaleiros Templários empreendida por Filipe, o Belo, e o papa levaram ao fim da Ordem mas não acabaram com o imenso prestígio que eles construíram na Europa e na Terra Santa e acabaram por alimentar novas lendas e mistérios que envolvem os Templários até hoje.
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