Já S. Bernardo pressentira na Lusitânia o bastão ocidental da futura igreja
«As malhas que o Império tece
Atentemos nas malhas deste Império: por um lado, um reino do extremo ocidente, penetrado desde as suas origens históricas pelo ide...ário da Ordem do Templo – manifestação paradigmática do espírito da cavalaria, a um tempo guerreira e mística –, guerreira de uma guerra que só pode ser "santa" na sua culminância interior, mística no propósito jurado de demandar e alcançar o Graal.
Já S. Bernardo pressentira na Lusitânia o bastão ocidental da futura igreja: de uma religião começada a oriente, culminada em Roma, no meio-dia do seu apogeu e, pela fatalidade do Sol, destinada a declinar a ocidente – mas a declinar, e a desaparecer nas águas oceânicas, apenas para ressuscitar na aurora de um novo ciclo planetário que não poderia deixar de ser o do Espírito Santo. A demanda do Graal ganhou em Portugal as características navegantes e esforçadas de uma procura lançada na vastidão dos mares e dos continentes, de uma Demanda do Preste João conduzida pela Ordem de Cristo, herdeira da ordem templária. Por outro lado, não só foi D. Dinis o templário que salvou o templarismo em Portugal, como foi ele quem deu início ao culto espiritano, com a sua esposa vinda de Aragão, educada por Lúlio e Villanova, profundamente consciente da visão escatológica de Flora, marcada pelo imaginário alquímico das transmutações. Ao transformar o pão em rosas, aponta para a transformação do alimento do corpo em alimento do espírito, ou à espiritualização do corpo, como indica a lição dos alquimistas; e que essas rosas são ouro mostra-o a lenda do salário pago por Isabel aos construtores da sua Igreja do Espírito Santo, de Alenquer: salário pago com rosas que, ao por do Sol, se transformaram em dobras (moedas daquele tempo, como explica D. Rodrigo da Cunha).
Surgiu assim em Portugal um sentimento, que se enraizou, de investidura, para usar as palavras de Jaime Cortesão, de investidura numa missão altíssima, cronologicamente simétrica à de Israel, o povo eleito para converter o Mundo à fé de Jeová, o único Deus verdadeiro. Reafirmada em profundidade a essência trina desse Deus único na teologia trinitaria edificada pelo franciscano S. Boaventura e demonstrada no “triteísmo” de Joaquim de Flora a homologia das eras históricas com a natureza das Pessoas da Santíssima Trindade – sendo a história, segundo a idéia central do povo judeu, a teofania diacrónica de um Deus síncrono de todos os tempos –, é fácil compreender que o imaginário profundo do povo lusitano tenha aderido ao culto do Espírito Santo com pronto entusiasmo e estremecido no desvelar das perspectivas de tamanha investidura; unificar o Mundo, unificar as religiões do Livro, preparar a vinda do Paracleto, abrir os selos do Último Império, do millenium do Espírito Santo. Corte e povo, afirma Cortesão partilharam com fervor o mesmo culto. E acrescenta: É precisamente durante o século XV que toma maior desenvolvimento em todo o reino o culto do Espírito Santo [...]. O Espírito Santo foi uma das maiores devoções de D. João I e de seus filhos; e Duarte Pacheco, que deve ter nascido ainda em vida do Infante, escrevendo nos princípios de Quinhentos, atribuía os descobrimentos henriquinos à inspiração do Espírito Santo. Os sinais indeléveis desse estremecimento da alma portuguesa descobrimo-los, hoje ainda, na lenda, nas tradições, na arquitectura, na arte, na literatura, por outras palavras, no imaginário colectivo da Lusitânia.
Reflecte-o o comportamento do português, amiúde tão franciscano: devotado no serviço dos seus semelhantes, sobretudo os pobres e os humildes, cioso da sua liberdade, individualista, irreverente, pronto a embarcar em improváveis aventuras, inflamando-se nos grandes ideais e deixando-se esmorecer nas pequenas tarefas rotineiras e sem grandeza que fazem os povos ricos. Reflecte-o negativamente a longa decadência de Portugal desde que foi castrada a Ordem de Cristo, reprimido o culto do Espírito Santo, cortada cerce a idéia imperial simbolizada na esfera armilar manuelina (que a ortografia de então escrevia "espera"), reprimido como herético ou desviacionista por uma Inquisição mais ao serviço de reis opressores do que da verdade das idéias e da fé, tudo o que evocasse, tudo o que prometesse o reviver da esperança escatológica e messiânica na vinda do novo Enviado de Deus, como lhe chamou Dante – o misterioso 515, ao já foi dedicado um estudo intitulado 515 Le lieu du miroir (Paris, 1993) –, ou do Paracleto, na linguagem mais usada pelos Portugueses. Refecte-o sobretudo, positivamente, o que há talvez de mais vivo na gesta portuguesa, o primeiro arranque das Descobertas, decididas por um infante governador da Ordem de Cristo, alumiado da graça do Espírito Santo e moído por diuinal mistério (nas belas palavras do Esmeraldo de Situ Orbis); reflete-o a nossa literatura, de Bandarra a António Vieira, de Camões ao Fernando Pessoa do Quinto Imperio e da Mensagem. Reflecte-o, enfim, a pintura, a escultura, a arquitectura .... » O esoterismo na arte portuguesa, Portugal Secreto
Atentemos nas malhas deste Império: por um lado, um reino do extremo ocidente, penetrado desde as suas origens históricas pelo ide...ário da Ordem do Templo – manifestação paradigmática do espírito da cavalaria, a um tempo guerreira e mística –, guerreira de uma guerra que só pode ser "santa" na sua culminância interior, mística no propósito jurado de demandar e alcançar o Graal.
Já S. Bernardo pressentira na Lusitânia o bastão ocidental da futura igreja: de uma religião começada a oriente, culminada em Roma, no meio-dia do seu apogeu e, pela fatalidade do Sol, destinada a declinar a ocidente – mas a declinar, e a desaparecer nas águas oceânicas, apenas para ressuscitar na aurora de um novo ciclo planetário que não poderia deixar de ser o do Espírito Santo. A demanda do Graal ganhou em Portugal as características navegantes e esforçadas de uma procura lançada na vastidão dos mares e dos continentes, de uma Demanda do Preste João conduzida pela Ordem de Cristo, herdeira da ordem templária. Por outro lado, não só foi D. Dinis o templário que salvou o templarismo em Portugal, como foi ele quem deu início ao culto espiritano, com a sua esposa vinda de Aragão, educada por Lúlio e Villanova, profundamente consciente da visão escatológica de Flora, marcada pelo imaginário alquímico das transmutações. Ao transformar o pão em rosas, aponta para a transformação do alimento do corpo em alimento do espírito, ou à espiritualização do corpo, como indica a lição dos alquimistas; e que essas rosas são ouro mostra-o a lenda do salário pago por Isabel aos construtores da sua Igreja do Espírito Santo, de Alenquer: salário pago com rosas que, ao por do Sol, se transformaram em dobras (moedas daquele tempo, como explica D. Rodrigo da Cunha).
Surgiu assim em Portugal um sentimento, que se enraizou, de investidura, para usar as palavras de Jaime Cortesão, de investidura numa missão altíssima, cronologicamente simétrica à de Israel, o povo eleito para converter o Mundo à fé de Jeová, o único Deus verdadeiro. Reafirmada em profundidade a essência trina desse Deus único na teologia trinitaria edificada pelo franciscano S. Boaventura e demonstrada no “triteísmo” de Joaquim de Flora a homologia das eras históricas com a natureza das Pessoas da Santíssima Trindade – sendo a história, segundo a idéia central do povo judeu, a teofania diacrónica de um Deus síncrono de todos os tempos –, é fácil compreender que o imaginário profundo do povo lusitano tenha aderido ao culto do Espírito Santo com pronto entusiasmo e estremecido no desvelar das perspectivas de tamanha investidura; unificar o Mundo, unificar as religiões do Livro, preparar a vinda do Paracleto, abrir os selos do Último Império, do millenium do Espírito Santo. Corte e povo, afirma Cortesão partilharam com fervor o mesmo culto. E acrescenta: É precisamente durante o século XV que toma maior desenvolvimento em todo o reino o culto do Espírito Santo [...]. O Espírito Santo foi uma das maiores devoções de D. João I e de seus filhos; e Duarte Pacheco, que deve ter nascido ainda em vida do Infante, escrevendo nos princípios de Quinhentos, atribuía os descobrimentos henriquinos à inspiração do Espírito Santo. Os sinais indeléveis desse estremecimento da alma portuguesa descobrimo-los, hoje ainda, na lenda, nas tradições, na arquitectura, na arte, na literatura, por outras palavras, no imaginário colectivo da Lusitânia.
Reflecte-o o comportamento do português, amiúde tão franciscano: devotado no serviço dos seus semelhantes, sobretudo os pobres e os humildes, cioso da sua liberdade, individualista, irreverente, pronto a embarcar em improváveis aventuras, inflamando-se nos grandes ideais e deixando-se esmorecer nas pequenas tarefas rotineiras e sem grandeza que fazem os povos ricos. Reflecte-o negativamente a longa decadência de Portugal desde que foi castrada a Ordem de Cristo, reprimido o culto do Espírito Santo, cortada cerce a idéia imperial simbolizada na esfera armilar manuelina (que a ortografia de então escrevia "espera"), reprimido como herético ou desviacionista por uma Inquisição mais ao serviço de reis opressores do que da verdade das idéias e da fé, tudo o que evocasse, tudo o que prometesse o reviver da esperança escatológica e messiânica na vinda do novo Enviado de Deus, como lhe chamou Dante – o misterioso 515, ao já foi dedicado um estudo intitulado 515 Le lieu du miroir (Paris, 1993) –, ou do Paracleto, na linguagem mais usada pelos Portugueses. Refecte-o sobretudo, positivamente, o que há talvez de mais vivo na gesta portuguesa, o primeiro arranque das Descobertas, decididas por um infante governador da Ordem de Cristo, alumiado da graça do Espírito Santo e moído por diuinal mistério (nas belas palavras do Esmeraldo de Situ Orbis); reflete-o a nossa literatura, de Bandarra a António Vieira, de Camões ao Fernando Pessoa do Quinto Imperio e da Mensagem. Reflecte-o, enfim, a pintura, a escultura, a arquitectura .... » O esoterismo na arte portuguesa, Portugal Secreto
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